[review] Novo Godzilla: Deixem o monstro dormindo.

Dr. Ishiro Serizawa, o único personagem japonês com algum destaque no filme, adverte o Almirante Stentz em um dado momento: “A maior arrogância do homem é achar que está no controle da natureza; e não o contrário”. Esse sempre foi o charme do Gojira.

Em uma nação marcada não apenas por desastres naturais como terremotos e tsunamis, mas também por hecatombes atômicas como Hiroshima, transportar para a tela um monstro indestrutível e de proporções gigantes é mais que entretenimento, é uma catarse. Quem dera o Godzilla 2014 abrisse os ouvidos metalinguísticos e absorvesse o conselho dito em sua própria película.

E digo “própria” apenas por que seu nome está estampado nos cartazes e no título, pois chega a ser ridículo o tempo que lhe é conferido em tela. Restando aos espectadores se contentar com infinitas trocas de olhares:


É o desconforto do descontrole que dá terror ao monstro ao mesmo tempo que lhe incute respeito

 O encanto do monstro japonês é justamente erguer-se em um patamar inalcançável para os seres humanos; é estar em um nível tão distante que reduz a humanidade à uma posição de mera espectadora, em total descontrole de seu destino. Assim como os desastres já citados, Godzilla só poderia ser previsto, jamais evitado. É o desconforto do descontrole que dá terror ao monstro ao mesmo tempo que lhe incute respeito.

Desconsiderando tudo isso, o filme prefere se fixar nos personagens humanos. Dentre as várias personagens apresentadas no início, com vários possíveis desdobramentos interessantes, o roteiro parece se fixar na incrivelmente mais comum e sem graça. De modo extremamente arrastado e enfadonho, o meio da história é recheado por uma trama que não cria o menor senso de urgência e preocupação. Tudo isso numa incrível sucessão de locações que faz você se perguntar em que lugar mesmo aquilo está acontecendo.

Apenas para quebrar o tédio, surge uma cena que realmente merece destaque. O salto dos paraquedistas, tão pequenos e escorrendo como lágrimas diante da situação, relembra por alguns segundos o real espírito que o filme escolheu não ter.


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Só ao final da película é que vemos alguma ação de fato entre as bestas colossais. Uma recompensa curta e pequena para quem logo em seguida testemunha um Godzilla carente da ajuda humana, quase domesticado.

As ações dos humanos ainda são responsáveis por dar curso à história e mostra como a irrelevância e o descontrole nos amedrontam. Estar com o destino à mercê de algo maior e intangível parece algo que incomoda demais para ser retratado em tela.

De todos os monstros, venceu a invisível arrogância humana. Crescida, tomou formas titânicas, esmagou cidades, o próprio Godzilla e o que poderia ser um bom filme; tudo para manter acesa a ideia – verdadeira, ou não – de que estamos no controle. Nesse caso, tomou-se a direção errada.


GODZILLA

Direção: Gareth Edwards
[rating=2]


Capa: divulgação.
perfilDaniel Serrano é formado em direito, advogado e queria ver um filme de destruição, não de heroísmo.