Mariana, Paris e a ostra de Rubem Alves

A situação parece calamitosa, o mundo parece estar fora de ordem, uma bagunça enorme? Algo parece ter saído do trilho de repente.

Normalmente, quando acontece uma grande tragédia, uma grande injustiça, um crime, uma guerra, isso nos comove ao ponto de perguntarmos o porquê. Por que de tanta loucura, tanta guerra, tantos crimes, tantas injustiças, pessoas inocentes morrendo. Nos deparamos com questões religiosas, sociais, culturais. Não existe uma resposta que se adeque totalmente.

Estas questões todas não são uma novidade para a história da humanidade, desde sempre estas questões  – que diria ser de cunho ético, social e cultural (aqui esta incluído a religião) – fazem parte da busca humana.

Neste texto vamos falar sobre o mal, sobre as coisas ruins sob o ponto de vista de um filósofo/teólogo francês e também de um poeta mineiro, as escolhas são óbvias perante os últimos acontecimentos.

Paul Ricoeur nasceu em Valence em 1913, ficou órfão de mãe logo após o nascimento, o pai foi morto nas trincheiras da guerra em 1915, veio de uma família protestante. Formou-se em filosofia em 1936. Em 1939 foi preso pelos nazistas e levado ao campo de concentração na Polônia, no período pós guerra foi acadêmico de várias universidades como Sorbonne e Yale.

Ricoeur sempre estudou os textos sagrados cristãos e também o mal, a culpa, os símbolos religiosos, os mitos, o pecado. Sua pesquisa caminhou de forma séria neste sentido e no plano de seu pensamento a questão do mal é um desafio, que mostra a existência de uma lógica mais complexa do que a lógica clássica que estamos acostumados, cita exemplos como a água que numa forte chuva pode desabrigar alguém mas ao mesmo tempo fornecer abastecimento para outrem. Onde esta o mal? A catástrofe natural é algo mal ou não? A água que pode salvar é a mesma que pode afogar… Desta forma Ricoeur mostra que este enigma não pode ser solucionado com a nossa atual e clássica forma de pensar.

No plano das ações o Mal para Ricoeur é o que não deveria ser, e para ele a questão não é tentar entender por que ele (mal) existe e sim aceitar sua existência como natural à realidade e pensar: O que fazer contra ele? Para Ricoeur no plano da ação o mal sempre é sinônimo de violência; diminui-la no mundo, pela ação ética e política é diminuir o mal. No plano do sentimento, ele propõe uma alteração qualitativa da queixa contra o sofrimento mediante a superação da tese do mal como punição, aqui temos algo interessante e importante, para ele o mal tem de deixar de ser visto como punitivo, o mal neste caso é tão natural quanto o bem e este também em muitos casos resulta do acaso, ex.: doença, acidentes naturais, tragédias. Outra proposta importante que faz é o de superar a revolta contra Deus, propõe crer em Deus apesar do mal, ou do bem, e aqui ele como estudioso do cristianismo diz o motivo de não haver revolta contra Deus, não devemos nos revoltar contra Deus pois este também sofre (referencia à Jesus na Cruz). Permanecendo enigmático, o mal pode ser diminuído, no plano da ação, pela não-violência, e superado, no plano do sentimento, pela resignação do inelutável da condição humana.

Ou seja, a resposta contra o mal não pode ser por meio do próprio mal. A teologia da cruz de Ricoeur, do Deus que sofre, é também do Deus que recomenda: Vencer o mal com o bem e a oferecer a outra face.

De forma nenhuma este texto esgota este assunto tão profundo, mas nos mostra caminhos para lutarmos contra o mal que é inerente à nossa condição humana, quer gostemos ou não.

Saindo da França e indo para Minas, tão importante quanto o francês, vamos nos deleitar ainda em dor pelo mundo, por nós, por Mariana, por Paris, por Angola, Síria dentre tantos outros que sofrem distante da mídia, em silencio, em público, tanto faz.

Rubem Alves, sim, eu sei que sempre falo dele, é mais forte que eu. Mineiro nascido em Boa Esperança, escreveu um livro chamado “Ostra feliz não faz pérola” no qual de início diz: “ A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faca sofrer. Sofrendo a ostra diz para si mesmo:

Preciso envolver essa areia pontuda que me machuca com uma esfera lisa que lhe tire as pontas…” Ostras felizes não fazem pérolas… Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor, não é preciso que seja uma dor doída…Por vezes a dor aparece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade. Este livro está cheio de areias pontudas que me machucaram. Para me livrar da dor, escrevi”.

De forma poética Rubem diz o mesmo que Ricoeur, a dor, o mal, estão ai, escancarados… o que faremos com eles?