Se o rock não é mais do diabo, para onde ele foi?

Da última sexta-feira, o catavento* fez coro na plateia de “Eu Sarau”, novo espetáculo de Marcos Almeida. Em tom intimista e inventivo, Marcos faz releituras de suas canções que foram hits no Palavrantiga, além de apresentar novas composições.

Em meio ao musical, há prosa e poesia. São histórias que revelam os novos rumos e processos criativos de Marcos e poemas de nomes que ele admira. As canções ganham novos arranjos e no meio disso tudo há um discurso de renovação.

Para quem não entrou no trem agora, esse tom rima diretamente com o debut do Palavrantiga. Talvez, naquela época, com discursos mais presentes no subtexto de suas canções do que em “pregações”. Havia naquele perfil do MySpace o rock que lembrava Strokes, Killers, Los Hermanos e U2. E havia palavra, esperança, cristianismo provocador e verdadeiro.

A gente sabia que o rock já não era do diabo – dava pra sentir. A vertente nacional de maior destaque, até então, ainda era o Oficina G3 e não havia nada de novo no front.

Não precisou de muito tempo pra que a gente descobrisse que outras bandas tinham intenções e estéticas em comum, prontas para ocupar a agenda de quem procurava pela soma de rock e esperança. Tanlan e Velho Irlandês conquistaram atenção e na tentativa de definir o cenário, se propôs (o próprio Marcos fez isso) chamar esse vetor de Hope Rock.

Para onde ele caminhou? – a gente se pergunta. Quem ouviu “Aquele Moço” do Alforria, em 2010, sabe que aquilo ali tinha muito potencial.

A pergunta tem uma resposta reticente, bastando verificar que rock nacional ou “hope rock” não está presente no line-up dos festivais ou conferências dos últimos dois anos. Pelo menos rock novo, de gente com menos de 3 anos de estrada.

Pouca coisa autoral anda por aí e nem se fala em novas guitarras distorcidas. Ou seja, seu air guitar de adoração vai ter que esperar.

Capa do EP "Lado A", da extinta banda Alforria, em 2010.
Capa do EP “Lado A”, da extinta banda Alforria, em 2010.

E aí voltamos ao Sarau. Em uma de suas falas, Marcos diz que nos últimos tempos percebeu que lugar de artista é no palco – por isso a escolha de “Eu Sarau” sempre acontecer em teatros. “Quando palco e púlpito se misturam, as coisas podem ficar confusas”, disse ele.

O problema seria então na ausência de artistas diante do mundo de “ministros e levitas”? Essa linha tênue é problema e não é de hoje. É o talentoso guitarrista que para viver da sua música precisa “tocar no mundo” (essa percepção ainda existe); é o “compositor” que não sai da constante tentativa de fazer a melhor versão para “Oceans” do United.

Não deixa de ser oportuna a proposta de Marcos em ocupar o palco e entende-lo como território próprio ao artista – o que definitivamente não elimina a possibilidade do púlpito, mas segue noutra camada.

Se a arte não precisa de justificativas, como disse o pensador que virou música, está cada vez mais necessário entender isso interinamente, pautando a sua produção em coram deo constante e não só quando se pensa no púlpito.

Acontece que o tal rock “já não é do diabo” (nunca foi, claro), mas o cenário não evoluiu. O vetor do “hope rock” ficou limitado às bandas que o iniciaram e algumas delas não sobreviveram ou avançaram (vários nomes não foram citados aqui). O vetor não seguiu e isso acaba por mostrar que talvez ele tenha sido mais momentâneo do que gostaríamos.

Não quero soar fatalista ou nostálgico, mas o que está faltando, mesmo, é novidade. Discos que nos surpreendam e causem aquela explosão interna que o rock proporciona. Aquela explosão de esperança com guitarras distorcidas que a gente aprendeu a amar.