Quem matou a indústria da música cristã contemporânea?

O artigo original é “Who killed the contemporary Christian music industry?” publicado na The Week, por Tyler Huckabee. Tradução e adaptações livres feita pelo catavento*.


A antiga banda de Derek Webb, Caedmon’s Call, já foi a menina dos olhos de nossa indústria da música cristã contemporânea (MCC). Seu album de estreia, lançado em 1996 e de título homônimo, vendeu mais de 250.000 cópias, e o seguinte, 40 Acres, vendeu cerca de 100.000 a mais. Os shows de Cademon’s Call frequentemente esgotavam e aumentaram bastante o alcance da MCC. Você provavelmente veria tanto universitários como seus pais nos shows da banda.

“Tivemos um sucesso inesperado, muito cedo”, explica Webb. “Nos apoiamos em um momento de sucesso que jamais poderíamos ter previsto”. Mas um sábio homem uma vez me disse: ‘As duas coisas que irão arruinar um artista são sucesso e fracasso. E especialmente nessa ordem.'”

Hoje, Caedmon’s Call é uma empoeirada lembrança de uma indústria passada. Existem altas chances de que você nunca tenha ouvido falar de Caedmon’s Call. Mas a história da banda é um microcosmo interessante, se não uma metáfora, da MCC como um todo. No apogeu da MCC, aproximadamente 50 milhões de discos de MCC eram vendidos anualmente. Em 2014, esse número havia despencado para 17 milhões. CCM Magazine deixou há tempos de publicar fascículos, e compositores cristãos modernos lutam para penetrar nas massas, fora das composições de adoração para reuniões em igrejas.

O declínio da MCC é um reflexo do interesse minguante dos EUA no Cristianismo como um todo. A queda íngreme nas vendas da MCC deixou selos e artistas cristãos encarando o vazio juntamente com seus pastores, todos coçando suas cabeças e se perguntando o que deu errado.


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O nascimento da MCC pode ser observado no Jesus Movement do final dos anos 60, e foi pastoreado durante sua infância por hippies tementes a Deus como Larry Norman. Mas não decolou de fato até cerca de uma década depois, com o trabalho de pioneiros como Andrae Crouch e Amy Grant. Grant foi especialmente reveladora, uma adolescente graciosa cuja vaguidade nas composições deixava questões sempre bem abertas se ela cantava sobre Deus ou garotos. Era uma estratégia potente e levou a vários singles no topo da Billboard e o primeiro álbum cristão a alcançar a platina. Sua fama iria impulsionar a sorte de seu pianista, Michael W. Smith, cuja carreira na CCM iria se tornar quase tão influente como a de Grant.

Enquanto esses cantores espirituais se tornavam estrelas, eles provaram que a MCC poderia ser mais do que apenas algo que as lojas de discos estocavam para agradar os pastores de jovens da área – era um negócio grande. Isso lançou os fundamentos para a leva seguinte de “Frank Sinatra’s da fé”, incluindo Phil Keaggy, os Newsboys, Steven Curtis Chapman, e Jaci Valesquez. O inescapável hit de 1995 do Jars of Clay, “Flood”, fez grandes ondas nas rádios universitárias. Petra lotou arenas do mundo inteiro e vendeu perto de 10 milhões de discos. Juntos, esses artistas ajudaram a MCC a se tornar um dos gêneros musicais que mais crescia nos EUA, com várias bandas encontrando apelo tanto entre ouvintes espirituais como seculares.

“Nos anos 90 você podia acreditar que Jesus Cristo era Deus e criar uma arte que ainda era interessante, e o mercado geral iria responder,” diz Kevin Max.

Ele deveria saber. Afinal, ele passou os anos 90 como um membro do dcTalk, inquestionavelmente a melhor história de sucesso da MCC nessa década. Formada em 1989 como um trio de hip-hop, o grupo transmutou-se em uma performance grunge na esteira do sucesso do Nevermind de Nirvana, e prontamente começaram a gravar discos que atingiam dupla platina. Em 1997, não era incomum encontrar músicas do dcTalk na MTV ou Billboard, fazendo deles uma das commodities mais preciosas da MCC: uma banda cristã que também alcança a cultura em geral.

Em retrospecto, não é difícil ver o porquê. O grupo possuía um bom ouvido para uma agressão no rock alternativo sem nunca perder suas sensibilidades pop, e canalizava isso tudo em um show genuinamente empolgante. Se você ignorasse as letras com foco na igreja (um exemplo de títulos de músicas: “Jesus Freak,” “Into Jesus,” “So Help Me God“), você poderia achar que estava ouvindo um lado-B muito bom dos Stone Temple Pilots.

Quando Max foi chamado para se juntar ao dcTalk, ele o fez sem saber muito sobre MCC (“Chamar de ‘cético’ é colocar em termos leves”, ele admite) — o que talvez fosse exatamente o que o show precisava. Não conhecer as regras ajudou dcTalk a quebrá-las todas. A letra para um trecho de uma música do disco Jesus Freak, de 1995, chamada de “What If I Stumble?” (“E Se Eu Tropeçar?”) perguntava, “What if I lose my step and I make fools of us all? Will the love continue when the walk becomes a crawl?” (“E se eu perder meus passos e fizer todos nós de tolos? O amor irá continuar quando a caminhada virar um arrastado?”). Questões instigantes como essas em uma religião conhecida por dar respostas, deu à sua música um tom desafiador.

Banda Caedmon's Call é símbolo de uma era da worship music que já não existe mais

Banda Caedmon’s Call é símbolo de uma era da worship music que já não existe mais

 

 

 

 

“Nós estávamos alcançando”, diz Max. “Nós estávamos tentando nos comunicar tanto com o incrédulo como com o crédulo. Hoje, quando eu ouço rádios cristãs e vejo os festivais e o que está acontecendo na igreja, não vejo tanto daquela interatividade. Onde eu estou agora, é quase como se as portas tivessem fechado para os experimentos com letras, imagens e ideias para fazer com que as pessoas interajam.”

Essa é uma avaliação ecoada por Matt Bronleewe, um produtor veterano da MCC que ajudou a iniciar Jars of Clay, outro titã da MCC dos anos 90. Bronleewe desde então tem colaborado com todo mundo desde Michael W. Smith até a estrela da série Nashville, Hayden Panettiere.

“Houve um tempo em que você poderia ouvir uma música sobre Deus, mas havia um entendimento de que aquele tipo de música poderia trazer algo mais à mesa,” ele diz.

Enquanto a indústria da música começou a sentir as tormentas do mercado digital, gravadoras começaram a se tornar receosas desses tipos de riscos, diz Bronleew. “Não há mais tanto espaço para falhas,” ele explica. “E falhar é um enorme dom criativo. Quando a habilidade de falhar é retirada, isso alimenta muito medo. Estreita tanto o conjunto de produtores e compositores à um certo grau que uma repetitividade começa a ocorrer.”

Mas o que quer que a MCC possa ter ganho lançando sua sorte na worship music, ela largamente perdeu em sua habilidade de se infiltrar no Top 40 ou a ocasional compilação Now That’s What I Call Music! (Uma grande exceção é o rapper Lecrae, e a MCC está se agarrando nele como uma bóia). Na maior parte, artistas da MCC têm estado contentes tanto em se manter seguros e confiar em seu pedaço minguante de audiência, como sair por si só e buscar por outros párias.

"Eu entrei nisso por que eu amo o que faço e eu quero compor tipo de música que componho. Fazer inúmeras concessões não iria valer a pena.”

“Eu entrei nisso por que eu amo o que faço e eu quero compor tipo de música que componho. Fazer inúmeras concessões não iria valer a pena.”John Mark Mcmillan

 

 

 

 

John Mark McMillan escolheu a última opção, moldando sets realmente memoráveis de rock and roll com ruminações frequentemente tocantes sobre fé. Esse caminho não tem feito ele largamente bem sucedido, mas em suas palavras “Eu entrei nisso por que eu amo o que faço e eu quero compor tipo de música que componho. Fazer inúmeras concessões não iria valer a pena.”

“Na MCC, se você quiser cantar sobre certas coisas mais desconfortáveis, você não vai ter oportunidade,” ele diz. “Mas, do mesmo modo, se eu quiser cantar sobre Jesus no Top 40, isso também não vai acontecer. Os porteiros daquele mundo também são esquisitos. O problema é, se eu sou um crente e quero cantar meus pensamentos honestos sobre Jesus, é tipo, ‘Onde eu faço isso?'”

Essa é uma questão que muitos dos artistas cristãos de hoje podem também estar se perguntando – músicos com mensagens tocantes e talentos a nível internacional, mas nenhuma gravadora está disposta a tentar a chance neles.

A indústria tem se acomodado em fazer música de igreja para igrejas, incapaz de recapturar as ideias que fizeram disso uma força proeminente em décadas passadas. Pelo menos, é assim que o Derek Webb de Caedmon’s Call se sente.

“O modo como eu descreveria isso para nossa banda é: Você está fazendo algo,” ele diz. “Tem significado, é real, observável e é orgânico. Isso se transforma em seu perfil. Mas aí, dois anos depois, esse perfil é a coisa mais real, orgânica e significativa sobre você. E tudo que você está tentando fazer é manter os elementos daquele perfil, na esperança de que um dia você o alcance novamente. Você se vê fazendo um monte de concessões, mas ainda não está recebendo as indicações e prêmios de vendas. Não precisa nem de ninguém para lhe dizer que as coisas estão caindo. Você coloca a ideia em sua cabeça. E continua a se perguntar a mesma coisa: ‘Como nós voltamos para aquilo?'”

Essa é uma questão que a inteira comunidade da Música Cristã Contemporânea está se perguntando.


Tradução: Daniel Serrano
Edição: Ricardo Oliveira