“Play” – um poema impactante sobre abuso infantil

Saidu Tejan-Thomas realizou uma performance marcante no último CUPSI (College Unions Poetry Slam Invitational – uma espécie de competição de poemas).

Intitulada apenas de “Play”, a apresentação trata de um tema bastante forte: abuso infantil. Não há registro se o texto é puramente ficcional ou se baseia-se em uma vivência real, todavia, a força e a emoção transmitidas geram uma empatia instantânea. Abaixo você confere a performance junto com a transcrição e tradução feitas pelo catavento*:

 

PLAY – transcrição

Trigger warning: sexual assault

“I have never called myself survivor
Survivor implies I fought
A glorious fight
A trail of dead men at my feet
Sword hoisted up against the sun
and all their hands are no more
Survivor implies it happened in the wilderness
Somewhere far, far away from home

It was a normal afternoon with nothing to do
After the hot sun and boredom forced me inside I searched for my cousin,
flung opened the door to his room and found him under my uncle
His mouth wet, my uncle lift his head and explains:
– This is what big kids do for fun

And I’m six, I brush my teeth, I dress myself, I am a big kid
I’m no baby, I can play
Let me play
I see how much fun you’re having, uncle
I can see it
This bedsheet is just like twister
Put your hands in all the dificult places
Let me prove myself
I promisse I won’t tell Papa what we’re doing
in this pillow fort pulled of from the parts of me I still have nicknames for
Just please, let me play
Let me play

I asked for this
So I can not call myself survivor if it felt more like family game night
Afterwards, He taught me the taste of soap, how to scrub away traces of the truth
how to rinse and repeat the word: secret
I have not told this to anyone in my family 

And instead, I puff my chest, I punch
I lift weight, I laugh at other people’s weakness
I am strong, I know how to fight now
Do you know I can choke the predator out of you now, uncle?
Do you know I can pummel the truth out of you now, cousin?
Do you know I’ve been training for sixteen years by beating myself up?

I’m a man…now
No one calls me survivor, no one knows what to call me
I don’t know what to call myself
I am a man

I tell myself: my mother doesn’t need to make this pain hurt less
I tell myself: I don’t need her song,
I don’t wish she could rise from the dead and hold me in her bones,
wipe my tears, tell me I didn’t know what I was doing,
that I was too inocent to know how to fight.

Teach me to forget, Mama. Give me a name again.
I’ve only called myself bitch, gay, coward
I just want to forgive, to stop blaming myself

Then my memoris wouldn’t have teeth
Like the ones in my uncle’s mouth.

PLAY – tradução

Aviso: agressão sexual

Eu nunca me me chamei de sobrevivente
Sobreviver implica que eu lutei
Uma luta gloriosa
Uma trilha de homens mortos aos meus pés
Espadas içadas contra o sol
e todas as suas mãos não mais são
Sobrevivente implica que aconteceu em um lugar selvagem
Algum lugar longe, bem longe de casa

Era uma tarde normal sem nada para fazer
Depois que o sol quente e o tédio me forçaram a entrar procurei por meu primo,
escancarei a porta de seu quarto e o encontrei debaixo do meu tio
Sua boca molhada, meu tio levanta sua cabeça e explica:
– Isso é o que crianças grandes fazem para se divertir

E eu estou com seis anos, escovo meus dentes, me visto sozinho, eu sou uma criança grande
Eu não sou um bebê, eu posso brincar
Me deixem brincar
Eu estou vendo como você está se divertindo, tio
Eu posso ver
Esse lençol é como twister
Coloca as mãos em todos os lugares difíceis
Me deixem provar que consigo
Eu prometo que não vou dizer ao Papai o que estamos fazendo
nesse forte de almofadas feito das partes de mim que eu ainda chamo por apelidos
Apenas por favor, me deixem brincar
Me deixem brincar

Eu pedi por isso
Então eu não posso me chamar de sobrevivente se isso pareceu mais uma brincadeira noturna de família
Depois de tudo, ele me ensinou o gosto do sabão, como esfregar os traços da verdade
como enxaguar e repetir a palavra: segredo
Eu não contei isso a ninguém da minha família

Ao invés, eu incho meu peito, eu soco
Eu levanto peso, eu rio da fraqueza de outras pessoas
Eu sou forte, eu sei como lutar agora
Você sabia que agora eu posso sufocar o predador de você, tio?
Você sabia que agora eu posso esmurrar a verdade de você, primo?
Vocês sabiam que há 16 anos eu treino me punindo?

Eu sou um homem…agora
Ninguém me chama de sobrevivente, ninguém sabe do que me chamar
Eu não sei do que me chamar
Eu sou um homem

Eu digo pra mim: minha mãe não precisa fazer essa dor machucar menos
Eu digo pra mim: Eu não preciso da canção dela,
eu não desejo que ela pudesse se levantar dos mortos e me abraças em seus ossos,
limpar minhas lágrimas, me dizer que eu não sabia o que eu estava fazendo,
que eu era inocente demais para saber como lutar.

Me ensine a esquecer, Mamãe. Me dê um nome novamente.
Eu só tenho me chamado de puto, gay, covarde
Eu só quero perdoar, parar de me culpar

Então minhas memórias não mais teriam dentes
Como aqueles na boca do meu tio.