Os Ditadores da Comunhão

Era um sábado de manhã e o Whatsapp já seguia seu rumo me acordando. Vários grupos, várias mensagens. Tirando-se os “kkkkkk”, “rs” e ” 🙂 “, um total de 3 conversas se desenvolviam no meu smartphone. Depois de acertar algumas táticas em Clash of Clans (risos) e confirmar comparecimento em um churrasco, devotei minha atenção para o grupo que parecia mais promissor: o de jovens cristãos.

Formado por um pessoal onde a maioria pensa que é pra frentex, todos ávidos em concordar como o posicionamento de um determinado pastor estava equivocado (e de fato estava) ao rotular tatuagens e músicas seculares como fontes de pecado. Ou seja, tudo correndo em total acordo com a cartilha do jovem cristão moderno.

Eu estou em tal grupo, mas talvez por frequentar pouco a igreja nos últimos meses eu não recebi a minha cópia do “Manual do jovem cristão moderno 2015.1”. Por essa razão ousei me aventurar na discussão sem saber quais as perguntas e os temas permitidos de se discutir e pensar. Que desatenção.

Mencionei que por respeito aos meus pais não faria uma tatuagem enquanto vivesse na mesma casa que eles, mas que seria uma das minhas primeiras atitudes ao adquirir minha independência completa. Alguns discordaram, interpretando o “honra teu pai e tua mãe” como obediência mesmo depois de sair do seio familiar. Justo, uma discussão não se faz com quem pensa igual e o choque de ideias é salutar – era uma discussão trivial, apenas uma troca de conjecturas, até que surgiu o primeiro.

Os “Ditadores da comunhão” agem sob uma bandeira parecida. Munidos de alguma espécie de AI-5 invisível

No meio cristão, assim como em qualquer outro, eles estão espalhados e se camuflam de maneira exemplar. Alguns estão dormentes, em estado de latência, mas basta um estímulo para se levantarem em coro: são os “Ditadores da comunhão”.

Em 1964 a Ditadura Militar instaurou-se no Brasil sob a alegação de que protegeria a paz e a ordem nacional da “ameaça comunista”. No afã de evitar um suposto caos social, os Generais suprimiram todo tipo de pensamento, ideia e discussão que fugisse do padrão daquilo considerado benéfico para o povo tupiniquim, mas só obtiveram como resultado uma estagnação (quiçá um retrocesso) sócio-cultural.

Os “Ditadores da comunhão” agem sob uma bandeira parecida. Munidos de alguma espécie de AI-5 invisível, toda e qualquer discussão que eles julguem infrutífera é sumariamente escarnecida e logo passam a questionar: “pra quê discutir isso?”, “vamos deixar de polêmica”, “vamos falar de outra coisa!”.

Qualquer tentativa de reatar o assunto é sem sucesso, afinal os Ditadores já o mataram. Tudo isso, claro, transvestido de “zelo pela convivência”, onde se busca apenas “discutir aquilo que edifica”. Edificação, diga-se de passagem, é um termo usado apenas para se referir aos assuntos que são quase unanimidade no seio cristão: “vamos conversar sobre como Deus é bom”, “vamos analisar como nossa comunidade tem sido abençoada”, “que tal fazer um jejum pra nossa próxima jornada de oração?”. Em resumo, leite.

Obviamente que não posso me opor à tais assuntos, mas uma dieta espiritual composta somente disso engorda e faz mal. O leite é doce, gostoso e fácil, mas é um alimento infantil. O adulto ingere comida sólida, que precisa ser mastigada, moída, processada, que dá trabalho (Hebreus 5:11-14).


Não só faz parte, como é necessário na convivência cristã o choque de ideias. É preciso que nossas convicções e opiniões sejam postas em cheque, de outro modo não há crescimento. Por isso os “ditadores da comunhão” acabam – ironicamente – por sufocá-la, a ideia por trás de um debate não é a inimizade, mas justamente o oposto. O conflito gera conhecimento, intimidade, maturidade e podar isso só estimula o lugar-comum, o mais do mesmo. Ao invés de adultos que aprendem a tolerar no que discordam, nos mantemos como crianças absolutistas.

Ao invés de adultos que aprendem a tolerar no que discordam, nos mantemos como crianças absolutistas.

A essa altura, nós já deveríamos ser mestres –Hb. 5:12– (tampouco ouso me proclamar como tal), mas preferimos nos manter de fraldas – e o pior, tentando impedir quem busca ingerir algo mais sólido.

De volta ao grupo, não insisti mais no assunto. A conversa tomou outro rumo, preferiu-se falar do namorado(a) ou ex-namorado(a) de alguém. Todo mundo rindo e com a comunhão à salvo. E eu, querendo mastigar um bife, terminei comendo papa.