O problema do Secret não é o Secret

Quando os blogs começaram a se popularizar no começo dos anos 2000, era comum encontrar um clima de diário pessoal, muitas vezes anônimo. Sem rosto, muitos contavam suas broncas com a vida, trabalho, relacionamentos. Com a popularidade de redes como Orkut e Facebook, essa internet começou a ganhar rostos através da noção de perfil. Quem fala o que quer tem avatar e link permanente. A visibilidade sobre o que você diz ganhou retweets e compartilhamentos – todos buscam ser vistos por sua “incrível” opinião.

Mesmo sendo esse o padrão da rede, em torno do capital social, eis que surge um aplicativo em busca do anonimato de quem quer se expressar. O Secret (iOS/Android, grátis), nascido em janeiro desse ano, chegou ao Brasil causando burburinho e polêmicas. Lá fora é um app que incentiva seus usuários a falarem o que querem mas têm dificuldade de expressar se identificando publicamente. Gente que tem problemas de saúde, maternidade na adolescência ou dificuldades de relacionamento colocam tudo nesse mural de pequenas lamentações. Segundo o site Mashable, passou a ser comum nos Estados Unidos que esse anonimato se encerre à medida que as pessoas marcam encontros para se ajudar pessoalmente.

Nos Estados Unidos, o Secret se tornou um app que conecta pessoas com problemas parecidos; no Brasil, a rede do cyberbullying.

Ainda que por lá exista o dito cyberbullying, parece que é um problema limitado e o próprio app tem ferramentas para denúncia. No Brasil, o problema virou o centro da atenção. Aqui, estão publicando fotos íntimas de “amigos”, contando mentiras e revelando segredos que não são seus. Centrados no teto de vidro do outro e protegidos pelo anonimato do aplicativo, os usuários brasileiros chegam à crueldade.

Quem se sentiu ofendido pelo que foi publicado por lá, passou a denunciar a situação na Polícia e o Ministério Público passou a agir. No Espírito Santo, o MP já pede que o Secret deixe de ser publicado no Brasil, nas lojas da Apple (iOS) e do Google (Android). Acontece que a ferramenta já conta com política de combate ao bullying e as mensagens denunciadas são automaticamente deletadas, informando ao seu criador que o conteúdo está sendo tratado como ofensivo. O problema fica mais complexo quando quem nem está na rede está sendo ofendido. O que fazer?

secret_confissaoSem respostas prontas, acredito que a dinâmica de processar a ferramenta faz pouco sentido. É equivocado achar que o aplicativo por si só é mau, considerando o modo como propõe uma forma de comunicação. O bullying que acontece por lá não é praticado pelo Secret ou seus criadores, mas por quem o utiliza. Parece óbvio, mas com as ações tomadas pelo Brasil, acho necessário lembrar.

Ao invés de cobrar um posicionamento quase ditatorial da justiça brasileira, talvez a maior cobrança deveria ser em torno de uma política mais rígida dentro do próprio app. Ainda que seja uma discussão mais complexa, o aparente anonimato só pode ser preservado à medida que se segue atento às leis vigentes. Os usuários do Secret talvez não liguem pra isso, mas, muito provavelmente, os autores dos comentários ofensivos sejam os mesmos que riscavam as paredes do banheiro com xingamentos à menina de aparelho, ao gordinho da outra turma ou a qualquer forma diferente do “habitual”. O mural mudou, a educação não.


Originalmente publicado na coluna Cultura Digital do Jornal da Paraíba


ricardo
Ricardo Oliveira
é jornalista, mestre em comunicação, nerd, blogueiro no Diversitá e megalomaníaco por produção de conteúdo. Tenta filmar seu primeiro curta de ficção e nas “horas vagas” edita o *catavento.