O musical de natal da Hillsong e a aurora dos tróllogos

Lembro da primeira vez que assisti ao Feitiço do Tempo (Groundhog Day), fui dormir com um certo medo de que pela manhã ainda fosse o dia anterior e eu estivesse preso em um loop temporal.

Recentemente, a Hillsong London compartilhou o seu espetáculo de Natal na rede e eu novamente fui dormir com medo de estar preso em algum feitiço do tempo. Tive medo de acordar em 1990 e ter que viver novamente as duas últimas décadas.

Ao realizar uma releitura de Silent Night (“Noite Feliz” em português), o núcleo britânico da Hillsong adaptou a canção e criou uma performance que fazia referência aos anos 1930 e aos cabaret’s. O trecho específico você confere abaixo:

Foi suficiente para que chovessem vídeos, textos, análises, comentários e todo o “kit hater” que a internet já virou, infelizmente, expert em produzir. O espetáculo foi chamado de profano, o apocalipse ganhou mais 80 novas datas para acontecer, a Hillsong foi chamada de apóstata e tudo girava em torno de um consenso: isso não combina com a Igreja.

Os argumentos foram vários e discutí-los analiticamente somente alimentaria essa nova raça medonha que vem surgindo no meio cristão, o tróllogo (troll + teólogo, um neologismo próprio). Apenas um ou dois fatos merecem apontamentos.

MODELO DE CULTO

Esse primeiro ponto é o mais simples e é apenas uma armadilha dos tróllogos, ou seja, entrar nas minúcias sobre qual o modelo correto de culto e como Deus deve ser adorado e reverenciado – independentemente de qual visão teológica você adotar, a do tróllogo sempre será correta.

Então, se sua cosmovisão não é ampla o suficiente, e um culto precisa seguir regras específicas para ser classificado como tal, é simples: a Hillsong London realizou um espetáculo de Natal, até por que em nenhum momento foi chamado de culto.

Se o rótulo de culto era o que incomodava, então não foi um, apenas um espetáculo – pessoas juntas, cantando, comungando e exaltando o nome de Jesus Cristo.

AGRADAR A DEUS, NÃO AOS HOMENS

Outra resposta quase automática são frases do tipo “a igreja deveria se preocupar em agradar Deus, não os homens”. O que, a princípio, é muito complicado de se responder, pois é um argumento que não faz sentido algum.

Qualquer tipo de conforto é feito em função dos membros e visitantes de uma igreja: cadeiras, ar-condicionado, janelas, iluminação, sistema de som, etc. Me pergunto se são exageros e um desvio da verdadeira vocação eclesiástica, pois o único propósito é agradar homens.

No auge de minha inocência liberal enxergo corações dedicados e o desejo de fazer o melhor como algo que agrade a Deus. E, sendo ELE senhor de toda cultura, como repartir e categorizar o que agrada-O ou não?

Sem se prolongar em um debate que parece repetir a mesma ladainha que espezinhou a bateria e a guitarra, mas tudo se resume ao bom e velho autoritarismo subjetivismo cultural.

LEMBRAM DE ROOKMAAKER?

Doutor em história da arte e escritor cristão (sequer vou chamá-lo de teólogo, em respeito aos tróllogos), o holandês autor do livro “a arte não precisa de justificativa” é incansavelmente cantando nos versos do Palavrantiga:

Eu leio Rookmaaker, você Jean-Paul Sartre
A cidade foi tomada pelos homens
Na cidade dos homens tem gente que consegue ler
Mas os outros estão néscios pra Ti

Enquanto no final da década de 70 já se afirmava que a arte é bela por ser arte e, consequentemente, manifestação da Graça Comum de Deus, em 2015 a gente ainda se debate discutindo quais ritmos são “santos” o suficiente para serem entoados no culto.

APENAS COERÊNCIA

Ao final, só nos falta mesmo coerência. Esse maniqueísmo bizarro de igreja x mundo que, ignorando as palavras de Cristo em João 17:15insiste em criar uma barreira invisível do que o cristão pode/deve dentro e fora do ambiente eclesiástico.

Nenhum malabarismo teológico conseguirá explicar o porquê de assistir e se emocionar com a beleza de um filme como Moulin Rouge é uma expressão da Graça Divina, mas usar a figura do “Papai Noel” (Santa Claus, uma figura folclórica que presenteia o bom comportamento infantil) é uma apostasia e ofensa grave ao Criador.

Natal este, inclusive, que sequer é uma festa Bílica. Visto que o propósito de Jesus foi sua morte e não seu nascimento. Damos graças ao Senhor por seu sacrifício, e este foi realmente comandado que nos fosse lembrado, tendo Jesus realmente disciplinado como deveríamos reverenciar seu ato final de amor.

Em uma festa puramente cultural, uma igreja faz uma celebração recheada de primor artístico para crentes e não crentes, presenteia toda uma comunidade e, ao fim, ainda recebe críticas por não ter obedecido a regras completamente inventadas.

Tem muita gente que só recebeu carvão na meia neste Natal. Foram todos meninos maus.

O ESPETÁCULO

Hillsong London disponibilizou seu espetáculo, na íntegra, em seu canal do YouTube, assista:


Sem uma correlação exata com o ocorrido, Daniel Gardner escreveu um artigo excelente denominado “Você é um gnóstico evangélico?” – onde aprofunda o problema do repúdio a tudo que é ‘carnal’, confira:

http://daniel.gardner.nom.br/2015/12/28/voce-e-um-gnostico-evangelico/