Não adianta querer um metrô quando você está precisando é de uma carroça

[dropcap1]É[/dropcap1] sempre bom dizer “queria que o tempo passasse mais rápido hoje”, ainda que você saiba que se arrependerá de ter dito isso. Alguns dias, talvez semanas ou meses depois você entenderá que “há tempo pra tudo debaixo do sol”. Não adiantaria pegar o metrô do tempo quando na verdade você está precisando de uma carona na carroça.

Foi dia desses que fui bem longe em busca de um tipping point. A virada seria surpreendente no meu enredo e eu iria dizer “agora uma nova história começou”. Longe da rotina, prestes a trocar ideia com pessoas que me ajudariam a descobrir possibilidades, nenhuma delas sequer chegou a dar um vislumbre. Novos ares não vêm em uma garrafinha na prateleira do supermercado do destino. Esse supermercado sequer existe.

Às vezes você tem de ir longe. Tendo escolhido o caminho A, vai investigar as ideias, conversar com pessoas, lutar, quebrar a cara, derrubar até barreiras que não esperava que conseguisse.

Até você perceber que tem que voltar.

A bifurcação continua lá trás. O caminho B também. Você volta até ele e por ele segue. Não se trata de descobrir um erro – não se engane. Falo de descoberta ou, já pensando nos resultados, falo de sabedoria. O caminho A tem tudo para parecer seu grande erro, uma grande razão para se arrepender e se culpar por uma percepção falha ou a falta de habilidade em prever problemas, mas não é bem assim.

[quote_left]”Uma vez eu soube de uma senhora que tinha um hábito esquisito. Gostava de começar a ler um livro e pular até as últimas páginas”[/quote_left]Na verdade, o caminho A inevitavelmente me forjou para o caminho B. Sem minha primeira opção eu nem mesmo teria noção do que significa voltar atrás e, em seguida, ir adiante. É provável que simplesmente ficasse parado na bifurcação, para sempre. Inerte, esperando que de um dos caminhos surja um cachorro com uma mão humana na boca, como no “Yojimbo – O Guarda-costas”, de Akira Kurosawa. O samurai percebe o chamado do caminho certo – tem trabalho ali. Nem sempre será assim.

Toda a jornada de ida até o ponto final do caminho A, toda o retorno até o início do caminho B te fazem entender melhor o que exatamente você quer. E aqui não há dúvidas: mesmo que o próprio B ainda não fosse o esperado, você já estaria em um lugar diferente.

Tendo este plot a solução esperada, de onde se brota o sorriso, onde o sol nasce, você dirá a frase “quem dera eu soubesse que o melhor era o caminho B”. E aqui reside o erro final. Você queria uma máquina do tempo, um atalho.

Uma vez eu soube de uma senhora que tinha um hábito esquisito. Gostava de começar a ler um livro e por puro exercício de ansiedade costumava pular até as últimas páginas. Queria saber logo a resolução, dizia ela, entender se valeria a pena ler tudo aqui. Todo autor que passou pelas mãos daquela mulher foi terrivelmente injustiçado. Sua longa jornada em escrever páginas, construir um raciocínio, defender teses, ideias, conceitos, até chegar à grande resolução final, estaria simplesmente perdida. A leitora não entendia que não existiriam as páginas finais sem o começo, sem o meio; sem a bifurcação, sem o caminho, sem a jornada. Experimente chegar no final da sessão de cinema. Os resultados após a jornada do herói – sua descoberta, sua crise, sua retomada – dificilmente são alcançados somente com o que vemos no grande final.

[quote_center]”O melhor da grande negociação financeira entre Facebook e WhatsApp não são os 19 bilhões de dólares investidos”[/quote_center]

A penúltima semana de fevereiro nos trouxe uma história e tanto para o empreendedorismo. O melhor da grande negociação financeira entre Facebook e Whatsapp não são os 19 bilhões de dólares investidos. Nossa atenção deveria mesmo é estar no que foi levantado pelo TechCrunch. O site mostrou que em 2009 Brian Acton, um dos criadores do Whatsapp, após ser demitido de um emprego de 11 anos no Yahoo, buscou vaga no Twitter e no Facebook. Levou um não de ambas as empresas e a partir disso começou sua própria jornada empresarial. Junto ao amigo Jan Koum vendeu seu serviço de chat com quase 500 milhões de usuários para o mesmo Facebook que não deu atenção quando ainda era “pessoa física” com uma década de experiência.

brianacton

Acton não usou uma máquina do tempo. Eu e você também não precisamos. A carroça pode não chamar atenção, ser estranha e capenga. Ainda que não pareça nada atraente, enquanto o metrô apresenta toda a agilidade e praticidade, é bem provável que ela seja exatamente o que eu preciso hoje. Numa carona vagarosa, de volta para o começo de tudo.

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Ricardo Oliveira
é jornalista, mestre em comunicação, nerd, blogueiro no Diversitá e megalomaníaco por produção de conteúdo. Faz parte dos projetos musicais Mais Que Apenas Som e Message in a Bottle, tenta filmar seu primeiro curta de ficção e nas “horas vagas” edita o *catavento.