Entrevista com Caio Fábio: entre idólatras e iconoclastas

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anilo Gentili, desde quando entrou na TV através do CQC, vem galgando mais e mais espaço. Ganhou seu programa de entrevistas na Band e depois migrou para o SBT com o “The Noite”, onde já bateu o sólido “Programa do Jô” em termos de audiência. O comediante/apresentador não é bobo, escolhe bem seus convidados e garante uma boa repercussão de suas entrevistas. No dia 23 de junho ele acertou mais uma vez. Talvez, com o uso de seu background evangélico, Danilo convidou Caio Fábio para uma entrevista e desde então o assunto tem repercutido.

assisti à entrevista inteira atento apenas ao que foi dito, sem nenhum pré-conceito


Particularmente, nunca acompanhei a trajetória de Caio Fábio, tampouco conheço suas vertentes e posições teológicas, heréticas, sociais, políticas ou o que seja. Isso significa que assisti à entrevista inteira atento apenas ao que foi dito, sem nenhum pré-conceito (em sentido literal) acerca do entrevistado.

A entrevista, se você ainda não viu, pode assistir aqui:

A transformação dos evangélicos em massa de manobra; milagres; Jonas e a baleia; antigo testamento/novo testamento; cartas paulinas; foram assuntos abordados na entrevista. Todos de uma forma coerente e sensata. Em um nível que sempre quis ver explanada em rede nacional. A sobriedade foi tamanha que Gentili precisou se esforçar para arrancar uma piada aqui e acolá – ele mesmo pareceu estar genuinamente interessado no tema.

Honestamente, na primeira vez que assisti não consegui encontrar um ponto que merecesse um retoque. Achei a postura do Caio impecável, firme em suas convicções sobre o poder curativo de Jesus, possessão demoníaca, a existência de gigantes e relatos Bíblicos como o de Jonas. Apenas quando tratou sobre sua iniciação precoce na sexualidade fiquei incomodado. O que ele descreveu pode muito bem se encaixar como abuso, apesar de ele não enxergar dessa forma, e o tom jocoso do assunto ficou esquisito mas, novamente, ele tratava acerca de uma experiência pessoal.

Porém, nada me incomodou mais que as reações dos cristãos sobre a entrevista. Por algum motivo Caio Fábio é repudiado por muitos. Como disse, não conheço a história completa do cidadão e, honestamente, prefiro não conhecê-la.

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Enquanto eu assistia a uma série de argumentos congruentes e coerentes com não só o que penso, mas com o que muitos que o criticaram também pensam, uma grande parte parecia ouvir um discurso vindo diretamente da boca do Lúcifer encarnado. Dentre as mais variadas acusações, uma parece ser o denominador comum: ele precisa ter responsabilidade com o que fala.

Esse é um posicionamento que acho deveras perigoso, pois parte da ideia de que a informação deve ser filtrada. Ou seja, “ter responsabilidade no que fala” significa que concordamos com o que foi dito, mas julgamos que outras pessoas não devem ouvir aquilo – diametralmente oposto ao “quem tiver ouvidos para ouvir, ouça” de Cristo. Mas deixo o tema para divagações futuras.

Seja pelo fato de ter compartilhado detalhes desconfortáveis de sua infância, por passear em temas pouco visitados no púlpito ou ainda pelas supostas intenções que ele teria, Caio foi criticado.

Nós, evangélicos, parecemos viver uma eterna carência Papal. Nossa postura parece reduzir A Reforma a um simples capricho adolescente. Sim, pois em um dado momento viramos as costas para o conceito de uma liderança absoluta e infalível, para no seguinte erguer um outro para ocupar seu lugar.

Nós, evangélicos, parecemos viver uma eterna carência Papal

Vivemos de construir ídolos, ora para adorá-los, ora para destruí-los. O Augusto Nicodemus de hoje é o Caio Fábio de amanhã, ou ainda, o Ariovaldo Carlos Jr. de hoje é o Silas Malafaia de amanhã.

A massa evangélica é descerebrada? O dízimo foi abolido? Jesus acolheu homossexuais e prostitutas? Existem mandamentos Paulinos que perderam a validade? Os espetáculos da fé televisionados são fictícios e usados para manipular? Acredito que o “SIM” caiba para todos esses questionamentos. Então, qual o absurdo da entrevista de Caio Fábio – pergunto.

Vou além: o que desqualifica a entrevista para não ser aplaudida por todo o cristão que ansiava ver alguém em rede nacional sem medo de admitir dúvidas, erros e que trata com respeito a inteligência alheia?

Ao que parece, apenas o fato de ter sido Caio Fábio.


Capa: divulgação.

perfilDaniel Serrano é formado em direito, advogado e continua sem querer saber o passado de Caio Fábio.