Cogumelos salvaram a vida de uma garota e estão mudando a África

Chido Govera nasceu na área rual do Zimbábue, nunca conheceu seu pai e perdeu a mãe para a AIDS quando ainda tinha sete anos. Ficou encarregada de cuidar de uma avó praticamente cega e de seu irmão dois anos mais novo.

Sua rotina consistia em acordar de 4 horas da manhã para buscar lenha, andar quase um quilômetro e meio para buscar água, trabalhar no roçado, ir para a escola e dormir com fome. Tudo isso contando com os abusos físicos de membros de sua família. Isso, é claro, até os 9 anos de idade.

Aos nove, Chido largou a escola e abandonou o sonho de sua mãe de que ela fosse estudar nos EUA. “Eu lembro de chorar por vários dias depois dessa decisão e de ver os garotos com quem eu andava indo para a escola, foi doloroso. Mas doía ainda mais ir para aula e passar o tempo inteiro pensando sobre o que iria acontecer quando eu chegasse em casa. Voltar para ver os rostos famintos de minha avó e irmão mais novo era insuportável.” – conta ao The Guardian.

Cerca de um ano depois, surge a visita de uma parente que andara vários quilômetros apenas para falar com Chido – trazia uma oportunidade que poderia lhe tirar de toda aquela situação de miséria. Era uma proposta de casamento vinda de um homem por volta de seus 40 anos de idade, ela seria sua noiva e ele seu provedor e mantenedor; uma chance que qualquer menina na mesma posição agarraria quase sem pensar.

“Eu quero ajudar outras crianças órfãs para que elas não tenham que experimentar tudo aquilo que estou passando.”

 
Mas ela não foi ao encontro do pretendente de meia-idade. Ela conta que quando tinha oito anos fez uma promessa para si: “Eu quero ajudar outras crianças órfãs para que elas não tenham que experimentar tudo aquilo que estou passando.” E quando recebeu aquela proposta, pensou: “Se eu casar, eu estarei alcançando isso ou não?”

Foi somente depois de um ano que Govera recebeu uma nova proposta de um homem também bem mais velho que ela. Dessa vez, contudo, a proposta veio através do empreendedor ambiental Gunther Pauli e envolvia um véu-de-noiva diferente.

Cerca de 15 garotas órfãs no Zimbábue foram convidadas para receber treinamento no cultivo de cogumelos. Apesar de estar acostumada em colher os fungos em arbustos e a diferenciar os venenosos, comestíveis e não comestíveis, o processo de cultivo era algo novo.

Logo o grupo produzia o suficiente para vender, gerando renda para comprar comida e pagar as taxas escolares (inclusive do irmão de Chido). “Você percebe que se pode trabalhar, você consegue chegar lá passo por passo, você pode colocar comida no seu prato. Nesse caso eu estava convertendo resíduos em comida, criando alimentos para a comunidade, mas também fazendo algo que ninguém mais ali estava fazendo. Nós éramos pioneiros naquela época, fazendo algo altamente científico sem qualquer estudo. No meu caso eu só havia cursado cinco anos da educação primária. Era como mágica.” – ela ainda conta.

“VOCÊ PERCEBE QUE SE PODE TRABALHAR, VOCÊ CONSEGUE CHEGAR LÁ PASSO POR PASSO, VOCÊ PODE COLOCAR COMIDA NO SEU PRATO

O sucesso das garotas automaticamente as transformou em ótimos partidos e, com a chegada dos 15 anos, 13 delas logo cumpriram as expectativas sociais e se casaram. Mas não foi o caso de Govera. Ao invés disso, dos 12 aos 16 anos, ela sempre se encontrava em um laboratório universitário se aprofundando no estudo daquilo que ela descreve como a arte e a ciência do cultivo de cogumelos.

Atualmente, aos 28 anos de idade, Chido Govera é uma agricultora de sucesso, ativista, palestrante internacional e educadora com sua própria fundação, The Future of Hope. Já treinou quase 1.000 pessoas em comunidades no Zimbábue, Congo, Gana, Camarões, Tanzânia e África do Sul. Seu trabalho alcançou escolas e comunidades na Índia, aborígenes na Australia e empreendedores nos Estados Unidos e ao redor da Europa.

Foto: http://www.chidogovera.org/blog/
Foto: http://www.chidogovera.org/blog/

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“Eu acredito fortemente que, independentemente do que acontece na política – não apenas no Zimbábue mas em muitas partes diferentes do mundo – se nós quisermos mudar as coisas, temos que ir para as raízes e ensinar as pessoas a andarem com as próprias pernas, por que se conseguirmos capacitá-las para serem algo além de vítimas de uma situação política, então estaremos fazendo a mudança acontecer.”

Foto: http://www.thefutureofhope.org/
Foto: http://www.thefutureofhope.org/

“Eu aprendi a me redefinir independentemente do que me aconteceu quando eu era uma criança. Eu fui capaz de reivindicar a mim mesma. Isso é algo necessário para cada indivíduo. Nós não somos aquilo que aconteceu conosco.”

Foto: http://www.thefutureofhope.org/
Foto: http://www.thefutureofhope.org/

Capa: Alexia Webster para o Observer Food Monthly
Saiba mais sobre Chido Govera em: www.chidogovera.org
Conheça a The Future of Hope Foundation: www.thefutureofhope.org/
Para ler a matéria feita pelo The Guardian, clique AQUI.