Bem perto de Deus, bem longe de Deus

Imagem do quadro “A Volta de Filho Pródigo”, obra de Renoir


É comum que um cristão sinta-se mais conectado com Deus quando vive razoavelmente de acordo com os preceitos deixados por Cristo. Mas e quando os insights, a compreensão para com o próximo e o crescimento advém de um estilo de vida que renega o Altíssimo?

Essa pergunta já me martelou por um único e aterrorizante motivo: isso acontece; com frequência. Já abracei o pecado de corpo e alma – literalmente – pois não eram ações impulsivas, mas deliberadamente menosprezando o Criador, uma afronta proposital e direcionada.

Entretanto, do amargor que sempre segue esse tipo de atitude sempre me vinham reflexões, algumas imediatas e outras que só se materializariam em textos aqui no catavento* anos depois. Mas a dúvida continuava: Deus permitira minha rebeldia para usá-la como ferramenta de caráter tempos depois?

Talvez eu já devesse estar mais à frente e todas essas quedas apenas retardaram meu avanço na estrada da santidade. – Essa linha de raciocínio é bem comum, mas de algum modo ela nunca pareceu verdade, ao menos para mim. E foi na parábola do filho pródigo que Deus respondeu ao meu questionamento.

Ele contou outra história: “Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao pai: ‘Quero minha herança agora mesmo’.
“O pai, então, dividiu a propriedade entre os dois filhos. Não se passou muito tempo, e o filho mais novo arrumou as malas e foi morar num país distante. Por ser indisciplinado e esbanjador, desperdiçou tudo que possuía. Estava já sem dinheiro quando uma seca devastou aquele país, e ele começou a passar necessidades. Um cidadão o contratou para cuidar de porcos, e, para piorar, ninguém lhe dava nada. Ele chegou a passar tanta fome que teve vontade de comer a lavagem dos porcos.
“Isso o fez cair na realidade. Ele pensou: ‘Os empregados do meu pai têm três refeições por dia, e eu estou aqui morrendo de fome. Já sei. Vou voltar para casa e dizer ao meu pai: pequei contra Deus e contra o senhor. Não mereço nem ser considerado seu filho. Ser um dos seus empregados já está muito bom’. Decidido, levantou-se e tomou o caminho de casa.
“Ele ainda estava bem longe, na estrada, quando o pai o avistou. O coração do velho disparou, e ele correu para abraçar e beijar o filho, que começou seu discurso: ‘Pai, pequei contra Deus e contra o senhor. Não mereço nem ser chamado de seu filho outra vez…’.
“O pai nem quis escutar. Chamou os empregados e ordenou: ‘Rápido, tragam uma roupa decente para ele! Tragam também o anel da família e um par de sandálias. Depois vão buscar uma novilha bem gorda e preparem um churrasco. Vamos festejar! Vamos nos divertir! Meu filho está aqui — vivo! Não está mais perdido: foi achado!’. E a festa começou.
“Tudo isso se deu enquanto o filho mais velho estava no campo. No final do dia, ele voltou para casa. Ao se aproximar, ouviu o som da música e das danças. Intrigado, perguntou a um dos empregados o que estava acontecendo. Ele contou a novidade: ‘Seu irmão voltou para casa! Seu pai ficou tão contente de recebê-lo de volta, são e salvo, que mandou fazer uma festa.
“O irmão mais velho ficou tão revoltado que não quis participar da comemoração. O pai tentou conversar com ele, mas ele nem quis ouvir e protestou: ‘Há quantos anos trabalho para o senhor, sem nunca reclamar? E alguma vez ganhei uma festa para mim e meus amigos? Agora esse seu filho, que desperdiçou todo o seu dinheiro com prostitutas, aparece aqui, e o senhor lhe dá uma festa dessas!’.
“O pai respondeu: ‘Filho, você não entende. Você está comigo o tempo todo, e tudo que é meu é seu. Mas este é um momento muito especial! Precisamos celebrar. Seu irmão estava morto, mas agora está vivo! Ele estava perdido, mas foi encontrado!’”.
(Lucas 15:11-32, A Mensagem)

Ambos os filhos estão distantes do Pai; ambos o rejeitam e querem apenas aquilo que ele tem para o oferecer. O mais novo exige sua herança, enquanto o mais velho aguarda que a sua lhe seja entregue. Um renega o pai e sai, o outro acredita que uma dia irá ocupar o seu lugar. Nenhum busca a companhia.

O FILHO MAIS VELHO NÃO PASSA DE UM FILHO MAIS NOVO ESPERANDO PARA ACONTECER

O que Jesus mostra nessa parábola é que os dois filhos estavam distantes do Pai, apenas ao final do conto é que eles – os dois – percebem que estavam longe. Foi no fundo do poço que o filho mais novo percebeu o quão distante estava e como precisava retornar.

O problema é que geralmente só nos vemos como pecadores quando caímos. E é essa humildade que nos aproxima, não é a transgressão.

O mais velho estava tão distante do Pai quanto o mais novo quando saiu. Ele guardava em si todos os desejos do mais novo, porém escondia-os. Somente quando usou de honestidade foi que ouviu do Pai o que precisava para repensar seus caminhos.

A parábola do filho pródigo é, também, muito sobre honestidade em nosso relacionamento com o Deus

O pai da história possuía dois filhos rebeldes, distantes e buscando independência. Foi só quando resolveu assumir o que realmente sentia que o filho pródigo percebeu o que a distância do pai significava. O mais velho permaneceu se enganando. Envolto na própria mentira ele era incapaz de desfrutar de um simples carneiro com os amigos. Só lhe foi revelado que era detentor de tudo aquilo quando falou o que sentia.

É ilógico achar que abdicar de uma vida de santidade nos aproxima de Cristo. O filho mais novo fez isso e pagou se alimentando juntamente com os porcos. O pecado sempre irá trazer consequências nefastas. Porém, a condição do filho mais velho é tão triste quanto, pois incapaz de assumir perante o Pai suas angústias, insatisfações, seu pecado.

Não louve quando seu coração está insatisfeito, externe isso. Mas faça-o sabendo de nossa condição de pecadores irremediáveis e ingratos compulsivos. Diga: “Pai, estou insatisfeito pois não tenho pecado e não me deste nenhum cordeiro para assar com meus amigos“.

Talvez aí você perceba que estava no chiqueiro esse tempo todo. E a humildade volte. E o desejo de voltar volte. E o relacionamento volte.