Acorde

Estar completamente fora do ritmo, não conseguir acompanhar uma música inteira nas palmas sem errar, não saber diferenciar um Re de um Mi. Ou seja, não ter o dom da música.

Será?

Essa é uma epifania para todos que são taxados como distantes da música, tão incessantemente lembrados desse estigma que acabam tomando como verdade.

Música enche nossos ouvidos e alma, como uma esfera compacta de pura energia ela se aloja no nosso peito e começa a expandir-se em seu próprio ritmo. Em um par de minutos toda aquela energia e vibração toma conta do seu ser e aí, meus amigos, dois tipos de pessoas parecem surgir: músicos e, como eu resolvi batizar, musicais.

Para o músico, é provável que todo ritmo flua em direção aos seus dedos, pulmões, cordas vocais, enfim, à alguns lugares estratégicos ou, caso você seja muito talentoso, a todos eles (mas, ainda assim, um número limitado). O músico canaliza toda essa energia acústica e a externaliza de modo específico. Desse modo a música entra, é sentida e já é prontamente quebrada e decodificada. Os que possuem ouvido absoluto já o fazem naturalmente, os que não, precisam se familiarizar com a linguagem. Sem o músico, a Música jamais seria ouvida.

SEM O MÚSICO, A MÚSICA JAMAIS SERIA OUVIDA

Mas se você não é músico (ativo ou em potencial), então você é musical.

Não está distante da música, como possa parecer.
Pra alguém musical, a música não tem tom, notas, acordes… ela é.
Uma pessoa musical é um caminho aberto, ou melhor, é um descampado.
Não há corredores para a música escorrer, todas as portas estão abertas e todos os espaços prontos a serem inteiramente preenchidos. E ela o faz.

Sem o musical, a música seria subestimada.

A música se expande, ocupa todo o espaço, cresce e beira o incontrolável. O músico serve ao musical, lhe presenteando com inúmeras pedaços da música; já o musical serve para mostrar ao músico que ele lida com algo maior, algo incalculável. Sem o musical, a música seria subestimada.

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Agora talvez você possa começar a entender por que sua dança parece descoordenada, por que você não consiga identificar qual nota correta ou o que está ou não fora do ritmo ou tom. Para os que são musicais, cada música é um êxtase completo, todas as notas são possíveis, todos os tons podem se encaixar, todo movimento corporal pode se adequar, o ritmo pode assumir qualquer forma. A música simplesmente é todas as possibilidades ao mesmo tempo, renovando-se a cada segundo; todos os sentimentos ao mesmo tempo, mesclando-se em um transe emocional; todo universo, todo o cosmo condensado e pulsante em expansão.

Observe alguém musical apreciando música sem ninguém o observando. São pulos, torções, retorções, agitares de braços e pernas, balançares de cabeça, gritos, vocalização de um instrumento, depois outro.
Um musical hora tenta acompanhar a percussão, ora os instrumentos de corda, ora a voz, etc. todas tentativas infrutíferas. É mais que ele, é tudo.

É como se a música fosse seu Criador e fluísse por inteiro através dele e ele, como um de seus filhos, fosse capaz sentir esse fluir em toda sua infinitude.
Minto, não é como se fosse, é exatamente isso.

A mera tentativa de conter tal energia e procurar transforma-lá em algo concreto já causa a sensação de que uma explosão é iminente.

Quem sabe um dia.

Um dia os musicais explodirão, se ouvirá todo esse universo, toda A Música, expandindo-se de forma exponencial. De início soará como um grande “BANG!”

Um BIG BANG.

A Música, então, reclamará de volta seus filhos.

Um momento tão completo, único e singelo, que mesclará músicos e musicais num mesmo corpo. Um corpo capaz de deixar a Música fluir e expandir-se sem amarras e, ao mesmo tempo, capaz de convertê-la por completo, finalmente, em algo concreto.

Esta será A Música definitiva, de inegável perfeição, capaz de ser tocada eternamente pois sequer possui um fim.

E quem tiver ouvidos para ouvir, ouça.