10 discos cristãos que completam 10 anos em 2016 (parte 1)

Toca o despertador, você acorda, come, escova, banha, veste, dirige, trabalha, dirige, despe, banha, come, escova e dorme até o próximo despertador, tal qual um robô programado pelo Daft Punk ou um personagem de música do Chico. O tempo passa rápido, meus caros amigos.

A introdução é para a postagem de hoje, mas explica também meu lapso de três meses no blog. É um prazer dialogar com vocês e trocar impressões musicais — melhor ainda é presenciar cada etapa do crescimento de minha filhota de um ano. O primeiro passinho, os primeiros dentes, as primeiras idas ao hospital. Tudo vale a pena.

“A obra de uns representava um último suspiro de criatividade, enquanto para outros aquele era só o primeiro salto na carreira”

Feita a contextualização, vamos à pergunta que norteia a pauta do dia: o que você ouvia há dez anos? O tom nostálgico me pegou por esses dias e tive o trabalho de rodar algumas pastas esquecidas do meu HD. Com a ajuda da Wikipédia, listei discos importantes do universo cristão que completam dez anos em 2016.

Fiquei surpreso com a riqueza do material, o que comprova a fartura de lançamentos da cena alternativa e reforça a importância do filtro proporcionado por dicas de amigos e listas de blogs favoritos. Já repararam como é cada vez menos comum encontrar novos artistas nos meios de comunicação de massa?

Na época, descobri a maior parte dos cantores abaixo chafurdando nos cantos da web, gastando meu inglês ou baixando discos por engano. Bacana notar, dez anos depois, como a obra de uns representava um último suspiro de criatividade, enquanto para outros aquele era só o primeiro salto na carreira. A intenção não é pegar o que havia de melhor no mercado à época, mas fazer um retrato fiel do que ouvia.

Por fim: meu Deus!, como eu baixava toneladas de folk no HD (isso é bom).

Derek Webb - Mocking BirdDerek Webb, “Mockingbird”

Tecnicamente, é um álbum de dezembro de 2005 — não é a melhor maneira de começar uma lista sobre discos de 2006 e quem se sentir lesado tem todo o direito de recorrer ao STF. Mas esta é talvez a obra-prima do Webb e, por questões geográficas, só o descobri em 2006. Embora seja o folk em sua essência, sem exageros instrumentais, o álbum não deixa de cativar pelas constantes variações de acordes e pelas linhas melódicas na voz marcante do Derek. As letras, contudo, são o que há de melhor neste trabalho — e em toda a carreira do cantautor. Se hoje ele é visto como um pária do universo cristão, exatamente por tocar de forma polêmica em dogmas antes incontestáveis, é nessa obra que germinam os primeiros espinhos de sua mensagem. A faixa-título trata da forma como repetimos um discurso sem análise crítica. Em “A New Law”, ele abre disparando: “não me ensine sobre políticos e Governo, apenas me diga em quem votar”. Nada mais atual.

 


bebo normanBebo Norman, “Between the Dreaming and the Coming True”

Ainda na cota folk, desta vez pendendo para o pop. Bebo Norman foi alçado ao estrelato graças ao famoso grupo Caedmon’s Call, com quem rodou os Estados Unidos em turnê. Caminhando naquela linha tênue entre a música comercial e o folk rock, Norman conseguiu produzir bons “hits de adoração”, como “I Will Lift My Eyes”, e canções para ouvir na estrada, a exemplo de “Bring Me To Life”. Não é o melhor disco, mas um dos últimos que consegui ouvir. Depois ele caiu de ritmo, chegando ao ponto de fazer uma música para evangelizar Britney Spears — que nem é de todo ruim. Sério.

 


jars of clay - good monstersJars of Clay, “Good Monsters”

Jars of Clay traz junto consigo a história do rock cristão alternativo. Iniciada com violões, pegada folk e até um acordeão em determinadas faixas, a banda entra de vez na onda do indie rock conduzido por guitarras de pouca distorção e pegada dançante. “Dead Man” e “Work” lembram um pouco os trabalhos de bandas como Strokes e Franz Ferdinand, trazendo um fôlego único — e que foi o bastante para sustentar os fãs da banda em um período obscuro de três anos com medíocres EPs de Natal, coletâneas e derivados. O disco de inéditas seguinte, lançado somente em 2009, apresentaria uma sonoridade bem diferente, cheia de sintetizadores e loops eletrônicos.

 


mutemath - mutemathMutemath, “Mutemath”

Após chamar a atenção dos garimpeiros de música alternativa com “Reset EP”, o Mutemath confirmou todas as expectativas no álbum homônimo lançado em 2006. A mistura de piano rhodes, guitarras ágeis e muitos sintetizadores rendeu comparações das mais diversas na crítica especializada, como U2, Muse e Radiohead, e garantiu um contrato imediato com a Warner. Nada mal para uma estreia. A verdade é que a banda foi uma das pioneiras no cenário cristão a romper com a estética de rock 90’ que ainda vigorava no pop gospel e apresentar uma proposta sincronizada ao indie rock dos anos 2000, cheio de ambiências eletrônicas, baterias orgânicas que mais pareciam loops, e timbres não convencionais de guitarra. Um marco.
https://www.youtube.com/watch?v=TdoExbtboYs

 


chrisriceChris Rice, “Peace Like a River”

Encerrando a primeira parte desta postagem, uma proposta tradicional realizada de maneira competente. Que artista nunca pensou em lançar uma coletânea de hinos? A fórmula batida encontra espaço no mercado nacional exaurido de originalidade, onde Fernandinho arrisca alguns medleys e Lucas “irmão do SILVA” Souza dedicou um disco inteiro ao tema. No mercado americano, sempre sedento por discos temáticos fáceis de vender, não seria diferente. Mas Chris Rice, cabe lembrar, passa longe de ser apenas um tiozão da CCM em busca de recordes. Reza a lenda que o então jovem Michael W. Smith, ao lançar seu próprio selo, Rocketown, contratou Rice como primeiro artista — o habilidoso compositor havia cedido algumas canções a MWS. Se neste trabalho não é possível avaliar sua verve letrista, o lado produtor faz a diferença. Apostando no minimalismo de arranjos ao piano e ao violão, o artista ignora releituras mirabolantes para explorar silêncios, dobras vocais e criar o clima ideal para aquele devocional — que a gente tem tanta dificuldade para cumprir no dia a dia. Parecia preparar caminho para seu disco seguinte, “What a Heart is Beating For”, obra-prima que habita o top 10 deste que vos escreve.